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Foto do escritorMiguel Ribeiro

Consciência de Classe + Organização Coletiva = Conquista de Direitos

 
A gente nem se dá conta, mas é muito comum colegas saírem de um evento que durou três dias direto para um bar chorar suas pitangas um para o outro, reclamar, lamentar e até esbravejar sobre suas condições de trabalho, sobre como se sentem injustiçados pelo que receberam para uma jornada tão extensa, sobre situações de racismo e/ou machismo estruturais, etc. É também muito comum que nas reuniões com colegas de profissão todas essas questões sejam novamente levantadas com urgência, indignação, mas também com cansaço. Depois de cada uma dessas reuniões os colegas voltam para casa até começar tudo denovo no outro dia. Isso ocorre porque essa indignação, essa urgência, e até o cansaço, são (ainda) individuais, mesmo quando compartilhados num bar ou numa reunião específica, e deixam escapar a visão de conjunto, ou seja, que essas questões são estruturais e afetam a “categoria”, o conjunto de pessoas que exercem uma mesma atividade profissional.

Para você, esse bar e/ou reuniões são familiares? Eu diria que todo assalariado/a, autônomo/a, informatizado/a, trabalhador eventual, todes transitam por essas cenas. Acredito que essa situação (só) muda quando a consciência de classe passa a fazer parte dessas conversas, ou seja, a consciência do quanto vale o seu trabalho e que esse valor é subtraído pela informalidade e pela precarização, pela falta de direitos, para gerar mais valor e mais lucro para quem te contrata. Isso não tem a ver (só) com você. Na real, você faz parte de um conjunto de colegas da mesma atividade profissional sujeitos às mesmas situações, uma categoria que é mais forte quando mais unida. Essa consciência de classe é o combustível para a organização coletiva que dá à categoria o poder para fazer acordos, conquistar direitos e fiscalizar.

Um exemplo: Quem trabalha em eventos nos dias de hoje nem pode imaginar que um dia a segurança dos eventos, festas e casas noturnas era feita por homens recrutados em academias de artes marciais, conhecidos como “leões de chácara”. É claro que estamos falando de uma época em que as atividades profissionais de Vigilância e Segurança ainda não eram regulamentadas nem fiscalizadas, consequentemente, o mercado definia quem e como contratar, a jornada de trabalho e quanto pagar.

Você pode perguntar: mas o que têm a ver as atividades de Vigilância e Segurança e a Graxa, a técnica, o backstage dos eventos? Os Vigilantes foram igualmente precarizados, invisibilizados, sem uma entidade de classe para representá-los. As empresas de vigilância e segurança pagavam aos empregados ¼ do que recebiam para prestar o serviço. Você também já deve ter visto isso em algum evento onde trabalhou. Eles também enfrentaram a falta de regulamentação profissional, as dificuldades de organização, a resistência à mobilização, o medo de retaliações e os rumores de que a formalização e a conquista de direitos podem causar falência e gerar demissões.

Como essa categoria adquiriu autoridade e poder para negociar e conquistar direitos? A resposta é simples (o que não quer dizer que seja fácil): graças à organização coletiva! Essa que não é concedida, não é autorizada, é conquistada. Por isso mesmo, não é fácil obtê-la, mas sem ela, nada se conquista no mercado do trabalho.
 
Dois trabalhadores da técnica usando EPI's, montando um suporte de caixa de som
 

Os Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância se tornaram uma categoria unida e representada, em 1986, quando criaram um dos mais importantes sindicatos do DF, o Sindicato dos Vigilantes. Eles não tinham recursos próprios nem os meios de comunicação que nós possuímos hoje para enfrentar as resistências, portanto, investiram energia de convencimento até conseguirem a mobilização necessária para fazer uma greve que parou a categoria e criou as condições para uma mesa de negociações acompanhada pelo Ministério Público e a CUT, o Sindicato dos Vigilantes.

Para que você tenha uma ideia, o piso salarial da categoria era tão defasado que teria que ser triplicado para chegar ao valor justo. Como era de se esperar, os patrões amedrontaram os trabalhadores alegando que o reajuste era “impraticável” e que “as empresas já pagavam muitos impostos”, que assim “seriam obrigados a demitir”, o mesmo blá blá blá de sempre. É claro que isso teve repercussão no movimento grevista, gerou medo, mas o resultado foi que o piso salarial foi reajustado e nenhuma empresa quebrou. De lá para cá, a categoria não negocia direitos e conquistas. Graças à representação sindical, eles se sentam à mesa com os patrões, anualmente, para as negociações salariais e trabalhistas.

É porque existe um Sindicato dos Vigilantes forte e atuante que nem produtoras nem empresas de segurança e vigilância podem contratar uma pessoa numa academia de artes marciais, sem formação profissional ou sem curso de reciclagem feito a cada dois anos. Também não podem arbitrar a jornada de trabalho nem o valor da diária, já que a categoria possui uma jornada regulamentada e um valor mínimo de remuneração pela sua diária, além de outros direitos regulamentados em lei ou registrados, convenções anuais de trabalho e, principalmente, um sindicato que fiscaliza geral, que não deixa brechas. Se uma pessoa se sente desrespeitada nos seus direitos, está lá o sindicato. Essa é a razão da sua existência.

Enfim, a Graxa e os Vigilantes têm características próprias que determinam a sua história e o seu desenvolvimento como categoria. Cada uma tem o seu universo de complexidades, por isso é importante perceber como as condições de trabalho já foram muito parecidas em aspectos como a precarização, a falta de regulamentação, a informalidade; e a forma como os vigilantes superaram e se emanciparam pode ser uma inspiração para a Graxa.

A experiência dos Vigilantes comprova o valor da organização coletiva para se conquistar e garantir direitos. Fica comprovado também que isso não “quebra” as empresas, muito pelo contrário, as conquistas elevaram a qualidade profissional da categoria e isso qualificou o serviço prestado pelas empresas.

Você que trabalha na Graxa e ainda não se deu conta, procure observar como você e suas/seus colegas são convidadas/os para um job. Você assina contrato? Em que condições você trabalha? Tem segurança? Como você é tratada/o? Onde você se alimenta? O que você come? Qual a sua jornada de trabalho? Você tem pausa para descanso? A pesquisa feita pelo LABFAZ em 2021, em parceria com o Coletivo Backstage Brasília, atribui respostas muito negativas a essas perguntas. São as perguntas que podem lhe despertar consciência de classe e essa consciência é a energia para a mobilização e o convencimento de que só a organização coletiva pode modificar essa realidade. Até quando esperar?
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